A ultrassonografia transvaginal é um exame de imagem não invasivo. Durante a gestação, o exame confere a saĂșde do colo do Ăștero e da placenta, além de identificar os batimentos cardĂacos do feto e sinais de complicações para evitar problemas que podem levar a abortos ou partos prematuros. Em nota à AgĂȘncia Brasil, o Ministério da SaĂșde informou que este exame jĂĄ estĂĄ incluĂdo no rol de procedimentos do Sistema Ănico de SaĂșde (SUS) e que a solicitação e avaliação do exame é parte da rotina das equipes de saĂșde da famĂlia e equipes multiprofissionais da Atenção PrimĂĄria à SaĂșde, nas unidades de saĂșde. "São exames fundamentais para monitorar o desenvolvimento do feto e garantir um acompanhamento adequado na fase inicial da gravidez", disse a nota.
JĂĄ o ecocardiograma fetal, agora incluĂdo no pré-natal de gestantes do SUS, permite avaliar, detalhadamente, o funcionamento do coração do feto na fase intrauterina, e assim, diagnosticar cardiopatias congĂȘnitas, arritmias ou distĂșrbios funcionais.A lei sancionada ainda obriga o médico responsĂĄvel a encaminhar a gestante para a realização dos tratamentos necessĂĄrios, no caso de ser encontrada alguma alteração que coloque em risco a gestação. A intenção é proteger a vida materna e do bebĂȘ e evitar possĂveis complicações.
Em entrevista para à TV Brasil, o médico diretor da divisão de cardiologia pediĂĄtrica do Instituto de Cardiologia e Transplantes do Distrito Federal, Jorge Afiune, destacou a importância do ecocardiograma fetal. O cardiologista pediĂĄtrico concorda com o encaminhamento médico das gestantes, quando verificadas alterações no coração do bebĂȘ. "É uma ferramenta que deve aumentar a detecção de defeitos, mas que o sistema [o SUS] jĂĄ tem que se preparar para que, uma vez feito o diagnóstico, a gente, de fato, consiga beneficiar essas famĂlias com o tratamento".
Em nota, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e ObstetrĂcia (Febrasgo), filiada à Associação Médica Brasileira, considerou que não houve discussão sobre a lei com os profissionais de medicina. "A Febrasgo vem a pĂșblico salientar que a referida lei não estĂĄ alinhada com as recomendações cientĂficas vigentes e que deveria ser imediatamente revisada e reeditada com adequado alinhamento cientĂfico. Para tal, oferecemos premissas técnicas amparadas pelo rigor cientĂfico a fim de subsidiar as instâncias legislativas e o executivo, para que possam oferecer à saĂșde pĂșblica brasileira normativas legais amparadas pelas evidĂȘncias cientĂficas".
E emenda. "A oferta de ecocardiografia fetal sistemĂĄtica no pré-natal, como determina a lei em questão, não encontra efetivo amparo nas melhores diretrizes cientĂficas da atualidade. Dessa forma, é difĂcil afirmar que a oferta da ecocardiografia fetal como exame de rotina do pré-natal possa reduzir a mortalidade neonatal", diz a nota da Febrasgo.
"O consenso observado na literatura médica é da realização da ecocardiografia fetal, para o grupo de gestantes que possuem fatores de risco, podendo ser realizada a partir de 18 semanas, conquanto a melhor visualização das estruturas cardĂacas ocorra entre 24 e 28 semanas de gestação", diz nota da Febrasgo.
Procurado pela reportagem da AgĂȘncia Brasil, o Ministério da SaĂșde respondeu que a referida lei, resultado da aprovação do Projeto de Lei da Câmara (PLC 130/2018) "foi aprovada pelo parlamento brasileiro e que o governo federal, agora, viabiliza o cumprimento da lei. Mas, que o médico tem autonomia para conduzir o pré-natal das gestantes".
A Sociedade Brasileira de Cardiologia define a cardiopatia congĂȘnita como qualquer anormalidade na estrutura ou função do coração que surja nas primeiras oito semanas de gestação, quando se forma o coração do bebĂȘ. A Organização Mundial de SaĂșde (OMS) estima 1% de incidĂȘncia de cardiopatias congĂȘnitas, dado aceito para os paĂses latino-americanos. Assim, no Brasil, preveem-se cerca de quase 29 mil (28.846 novos) casos de cardiopatias congĂȘnitas ao ano. De acordo com dados do DataSUS, em 2021, foram registrados 2.758 nascidos-vivos com malformação do sistema circulatório, no Brasil.
A profissional de Relações PĂșblicas Larissa Mendes e a advogada JanaĂna Souto são mães de cardiopatas. Juntas, elas criaram um perfil em uma rede social para orientar outros pais sobre como lidar com alterações nos corações de seus filhos, as partir das próprias experiĂȘncias.
HĂĄ 21 anos, JanaĂna Souto teve uma filha com cardiopatia congĂȘnita (atresia da mitral, da pulmonar, ventrĂculo Ășnico tipo direito, isomerismo direito e asplenia congĂȘnita), em um parto normal, sem qualquer suporte, sem qualquer avaliação criteriosa. "Graças a Deus, ela conseguiu sobreviver aos 30 dias, sem suporte, e o diagnóstico chegou a tempo. Mas enfrentamos voo [de avião] comum com uma criança em crise, chorando, porque tive que buscar tratamento fora", recorda a advogada.
JĂĄ Larissa Mendes foi mãe aos 28 anos e o pré-natal foi feito corretamente, com a realização de trĂȘs ultrassons morfológicos com médicos diferentes e nenhum deles notou complicações relevantes. "Houve alterações na gestação, como artéria umbilical Ășnica e polidrâmnio, mas considerado normal por obstetras. Meu filho nasceu em hospital apenas com suporte neonatal e, graças a Deus, não precisou de atendimento ao nascer. Caso contrĂĄrio, o risco teria sido imenso".
As duas mães entendem que o diagnóstico precoce poderia ter dado um melhor suporte a elas, durante as respectivas gestações. "Vemos isso, ao longo desses mais de 15 anos acompanhando mães de cardiopatas congĂȘnitos".
Sobre a inclusão do ecocardiograma fetal e pelo menos duas ultrassonografias no protocolo de assistĂȘncia de rotina às gestantes do SUS, as duas mães entendem que o diagnóstico precoce é importante. "Sabemos que sem ele, muitas crianças continuarão morrendo sem tratamento, nos primeiros dias ou meses de vida. E a culpa serĂĄ colocada na cardiopatia, quando na verdade a culpa é da falta de oferta de tratamento no tempo certo, e isso passa pelo ecofetal em toda gestante". Ambas, consideram a legislação como um primeiro passo. "A lei não resolverĂĄ imediatamente todos os problemas: faltam profissionais, faltam equipamentos, estrutura. Mas, é o primeiro passo em busca da melhoria do diagnóstico precoce".
No entanto, Larissa Mendes e JanaĂna Souto criticam também a qualidade da anĂĄlise feita nas ultrassonografias (US). "Atualmente, nas US, os cortes de imagem para avaliação do coração são muito negligenciados e os profissionais não recebem tratamento para poder desconfiar de uma alteração cardĂaca. Dessa forma, as gestantes não são encaminhadas para ecofetal. Falhamos no diagnóstico precoce e as crianças nascem sem suporte."
Elas sugerem o devido preparo dos médicos para avaliar o coração fetal. "A Febrasgo poderia atuar incentivando seus credenciados para melhor aperfeiçoamento nesse sentido – com ecografistas fetais. Assim, futuramente, quando for dada a devida atenção ao coração do feto, poderemos ver encaminhamentos mais especĂficos. Mas essa não é a realidade atual".
A reportagem da AgĂȘncia Brasil procurou a Febrasgo e aguarda posicionamento.
Fonte: AgĂȘncia Brasil