Um ano depois do inĂcio do tratamento, quando os pesquisadores avaliaram o cortisol – hormônio que ajuda a controlar o estresse – e das citocinas inflamatórias – que conduzem a resposta inflamatória –, eles tinham uma alteração considerada importante.
"Essa questão de continuar, depois de um ano, com o cortisol alto, mostrando que tem uma reação ao estresse ainda ali acontecendo, e essas citocinas inflamatórias ainda altas e alteradas, corrobora com essa nossa hipótese de que, sim, existe uma neuro progressão, e o trauma sexual é algo tão grave que mesmo melhorando a sintomatologia clĂnica o organismo continua tendo uma resposta ao estresse alterado", explicou Andrea Feijó de Mello, professora do Departamento de Psiquiatria da Unifesp.As alterações constatadas no estudo estão ligadas, em geral, a doenças do sistema imunológico e do estresse. "A alteração crônica do cortisol é ligada a vĂĄrias doenças, então [hĂĄ] risco maior para diabetes, para doenças cardĂacas, para doenças autoimunes, como psorĂase, lĂșpus, artrite reumatoide".
"Se isso perdura, provavelmente vai causar consequĂȘncias, tanto psĂquicas, como a pessoa não ter uma melhora dos sintomas de estresse pós-traumĂĄtico, quanto clĂnicas, como talvez desenvolvimento de doenças ligadas a alterações do cortisol cronicamente ou das citocinas inflamatórias", disse.
As mulheres que integraram o estudo foram atendidas inicialmente no Hospital Pérola Byington, centro de referĂȘncia em saĂșde da mulher na cidade de São Paulo, e depois foram encaminhadas ao Prove, onde receberam tratamento para o estresse pós-traumĂĄtico. Segundo Andrea Mello, em torno de 45% das vĂtimas de estupro vão desenvolver Tept.
Foram 74 mulheres iniciadas no estudo, mas 49 terminaram o protocolo. Uma parte recebeu tratamento medicamentoso, enquanto outra passou por terapia interpessoal. Ambas tiveram melhora nos sintomas clĂnicos após as intervenções, relacionados a depressão e ansiedade, por exemplo. "O nosso tratamento foi suficiente para os sintomas psĂquicos relacionados a isso [Tept], mas não [foi eficaz] com a alteração biológica que estĂĄ acontecendo por trĂĄs desse processo", disse Andrea Mello.
"Pesquisas futuras seriam necessĂĄrias para seguir essas pessoas por mais tempo do que um ano para entender o que acontece nesse sistema. O que a gente entendeu nesse momento é que esse sistema estĂĄ hiperativado e que isso pode causar consequĂȘncias danosas ao longo do tempo", pontuou a pesquisadora.
A cada 8 minutos, uma menina ou mulher foi estuprada no primeiro semestre deste ano no Brasil, maior nĂșmero da série iniciada em 2019 pelo Fórum Brasileiro de Segurança PĂșblica (FBSP). Foram registrados 34 mil estupros e estupros de vulnerĂĄveis de meninas e mulheres de janeiro a junho, o que representa aumento de 14,9% em relação ao mesmo perĂodo do ano passado.
Os dados de violĂȘncia compilados correspondem aos registros de boletins de ocorrĂȘncia em delegacias de PolĂcia Civil de todo o paĂs. Como hĂĄ subnotificação de casos de violĂȘncia sexual, os nĂșmeros de estupro podem ser ainda maiores.
Fonte: AgĂȘncia Brasil