Imunizantes contra a poliomielite e a coqueluche, por exemplo, tem prédios inteiros no complexo industrial dedicados à produção dos antígenos que são inativados para a formulação das vacinas. Esse processo é uma das etapas mais demoradas da fabricação de uma vacina e pode levar até um ano.
Uma vez preparado, o ingrediente farmacêutico ativo é misturado a adjuvantes, estabilizantes e outras substâncias, dependendo da fórmula de cada vacina, no processo de formulação, que também ocorre em um prédio exclusivo do complexo industrial.
A partir daí, as vacinas são levadas em tanques de até 575 litros para uma das partes mais importantes do processo, o envazamento. A unidade em que os frascos de vacina são preenchidos conta com as mais rígidas regras sanitárias do complexo industrial, divididas em quatro níveis de segurança. Mesmo para adentrar no nível menos restrito, os funcionários da unidade de envasamento não podem usar maquiagem, esmalte nas unhas nem qualquer tipo de joias e acessórios e devem trocar todas as suas roupas e calçados por vestes esterilizadas, além de cobrir os cabelos com toucas. Nem mesmo barbas cerradas escapam de ser cobertas.
Conforme o nível de segurança aumenta, mais camadas de proteção são acrescentadas: uma capa sobre os sapatos que já haviam sido trocados, um macacão sobre as roupas esterilizadas, máscaras como as que previnem da covid-19 e luvas. No terceiro nível de segurança, não sobra mais nenhum contato direto entre a pele dos trabalhadores e o ar do ambiente, e, no nível mais restrito de todos, somente máquinas trabalham monitoradas por câmeras, pois a entrada de pessoas não é permitida durante a produção.
Toda essa segurança não se dá por qualquer risco aos funcionários, mas para garantir um ambiente asséptico nos momentos em que os frascos de vacina ainda não foram lacrados. Para os trabalhadores da unidade, esse cuidado torna qualquer sede ou ida ao banheiro uma trabalhosa saga de trocas de camadas de roupas e calçados, porque nem mesmo água pode ser consumida na área de produção. Durante os turnos, há dois intervalos para lanches e um para almoço, o que significa que cada trabalhador da unidade troca de roupa no mínimo oito vezes em um dia de trabalho. No caso dos que poucos que acessam o terceiro nível de segurança, o número de trocas chega a 24.
Uma vez envasadas em frascos lacrados, as vacinas seguem para a rotulagem e empacotamento, etapa que também ocupa um prédio específico do complexo industrial. Antes de serem armazenadas nas caixas em que serão enviadas ao mundo, as vacinas passam por um processo de inspeção visual, que conta não apenas com câmeras, mas também com a avaliação de olhos humanos treinados. Em uma esteira, os frascos passam em uma velocidade de 400 por minuto diante de uma lente capaz de encontrar problemas como impurezas, partículas inesperadas ou cores diferentes das previstas na formulação. Os robôs da inspeção visual descartam frascos problemáticos e aprovam os que estão dentro do esperado. Quando a avaliação é inconclusiva, cabe a uma equipe de profissionais a palavra final, e eles se dedicam a examinar aspectos visuais de cada frasco sinalizado pelas máquinas.
O empacotamento das vacinas, que poderia parecer a parte mais fácil, guarda ainda uma série de complexidades: cada vacina tem seu rótulo, embalagem e bula adequados às regras regulatórias e idioma do país que vai recebê-la. Como as 20 vacinas da GSK chegam a 160 países, as combinações possíveis chegam à casa dos milhares. Qualquer mudança nos regulamentos nacionais exige rever o processo produtivo e até adotar novas máquinas. Foi o que aconteceu recentemente quando o Japão decidiu incluir QR code em todos os frascos e embalagens de vacinas, exigindo que uma linha de rotulagem e empacotamento exclusiva para o país fosse montada. Todo esse processo ainda precisa ser totalmente rastreável, pois cada frasco deve ser serializado de modo que autoridades sanitárias consigam identificar qual lote de vacina cada pessoa recebeu.
O imunologista Yan Sergerie ressalta que comunicar a importância das vacinas e seu impacto benéfico para a sociedade está entre as principais tarefas a serem feitas por empresas e governos para aumentar as coberturas vacinais. No caso da população adulta, Sergerie destaca que é ainda maior o desconhecimento de grande parte da população sobre a importância das vacinas para um envelhecimento saudável.
"Se você perguntar se as crianças estão vacinadas, os pais dirão que sim. Mas sobre eles, dizem que não. Há essa crença de que doenças infecciosas são uma coisa de crianças, mas não são. As pessoas não estão conscientes das consequências desastrosas que as doenças infecciosas podem ter."
O imunologista sublinha que, com o passar dos anos, as defesas do organismo dos adultos tendem a enfraquecer, o que é ainda mais preocupante no caso de pessoas com comorbidades e doenças crônicas como o diabetes e problemas cardiovasculares. Essa vulnerabilidade abre caminho para que infecções imunopreveníveis tenham consequências mais severas.
"Quando se fala de senescência, quem tem 50 anos diz que está bem e se sente como se tivesse 40. Quem tem 70 fala que sente que tem 60. E até quem tem 80 diz que sente ter 70 e estar em forma. Você pode se sentir assim, sentir-se bem e estar em forma, mas seu sistema imunológico vai enfraquecer com o tempo. Em algumas pessoas, é mais rápido, especialmente com comorbidades."
O chefe de Imunizações em Adultos diz acreditar que um dos caminhos para aumentar as coberturas vacinais nessa população é apostar na relação entre médico e paciente, pois os profissionais de saúde ainda estão entre as principais fontes consideradas pelas pessoas em suas decisões de saúde. Outro é combinar esforços de comunicação com parceiros como os governos, principalmente agora que a pandemia de covid-19 fez o mundo prestar mais atenção à fabricação de vacinas.
"Com certeza temos que ter mais comunicação sobre como as vacinas são feitas, mas precisa ser feito em colaboração com governos e outros parceiros estratégicos. É uma questão de mostrar transparência", ressalta.
Sergerie argumenta que aumentar as coberturas vacinais entre adultos e crianças é uma medida que vai além da prevenção de doenças e tem impactos sociais e econômicos. Nessa cadeia de benefícios está o aumento da frequência escolar das crianças, que eleva o nível educacional, gera trabalhadores mais produtivos e bem instruídos e amplia a expectativa de vida, a capacidade de inovação e a riqueza nos países.
*O repórter viajou a Wavre, na Bélgica, a convite da GlaxoSmithKline (GSK)
Fonte: Agência Brasil